segunda-feira, 5 de julho de 2010

Conto: A traição de Darlene

Eu não tinha dúvidas. Darlene estava me traindo. Como não? Quer a prova da traição dela? Pois bem, te darei várias. Se julgar que estou errado. Condene-me. Faça o que bem entender. Se quiser, acabe com nossa amizade de quarenta anos. Aliás, somos amigos desde a infância. É sua obrigação me ouvir, sem me condenar. Lembra quando você decidiu se separar de Regina? Pois é, disse alguma coisa que reprovasse a sua atitude? Então? Senta aí e me ouve. Se possível diga alguma palavra de consolo. Dizem que: “para o corno, todo o castigo é pouco”. Só que meu castigo foi maior. Não porque merecesse. Sempre fui um bom marido. Nunca deixei faltar nada dentro de casa. Em todos esses anos, fui um bom amante. Tenho meus deslizes, mas nunca deixei de amá-la.

Mais ou menos há um ano as coisas mudaram. Darlene não me procurava mais. Eu não me dei conta. Ela correspondia aos meus carinhos. Só percebi mesmo, quando ela mudou seus hábitos: trocar de roupa no banheiro e a tomar banho com a porta fechada. Na hora do amor, subia apenas a camisola, sem que eu pudesse contemplar seu corpo nu. Talvez fosse preocupação da idade, a gente envelhece e o tempo pesa sobre nossos corpos, quiçá, nossas mentes.

Desde então, comecei a dar-lhe pequenas lembracinhas a fim de dizer, nas entrelinhas, que o meu amor por ela era vivo. Da parte dela, nada mudara. Sempre cabisbaixa. Pelos cantos da casa. Em silêncio. Atendo-se apenas as tarefas da casa e o cuidado com as crianças. Pouco aberta ao diálogo.

“Hei! Presta atenção no que estou te contando...”

Ouça. Na impossibilidade dela se abrir comigo. Passei a segui-la. Todas as terças ela ia até a Avenida Independência, você sabe muito bem onde é. Seu escritório fica na 1.310. Pois bem, ela descia na 604 e entrava naquele prédio verde. Sabe qual é, né? Só saia de lá à tardinha.

Nas quintas, ainda pela manhã, ia até a Rua Catalão, próximo do cemitério velho, entrava numa casa bem humilde. Mas era rapidinho. Saia às pressas para chegar em casa e ter tempo para preparar o almoço. Rondei os locais e nada descobri.

Um dia tomei coragem, engoli o orgulho e perguntei-a de bate-e-pronto “você está me traindo?”. Com o olhar baixo, a voz engasgada, as mãos trêmulas, disse-me que não.

Que nunca teve qualquer outro homem além de mim. Ressentindo por não conseguir que ela me confessasse, senti vontade de espancá-la. De uma pessoa que jurei eterno amor, vê-la assim, tão culpada, tão submissa em sua consciência, me destruía.

Ela me confessou que seria em vão qualquer agressão “se você encostar às mãos em mim. Te perdoarei. Te perdoarei por ser homem.”. Ela foi longe demais. Meu Deus! Meu Deus! Aquilo por si já era uma confissão. Aliás, esse caso deveria ser muito importante para ela. Aguentar a dor de uma saraivada de pancadas em razão de esconder o nome do amante, era demais.

Depois disso, ela passou a não sair mais de casa. Os olhares dos vizinhos condenavam-me. Acusavam-me. No mais, chacoteavam-me. Com certeza ela aproveitava que as crianças, já crescidas, fossem ao colégio para levar o canalha para dentro de casa. Uma mulher que não só me traiu com outro, mas traiu a minha confiança; violou o nosso lar.

Ontem à noite foi o momento da misericórdia, da discórdia, da inglória... Disse a ela que ia ficar até mais tarde no trabalho. Nesse dia, ela pediu que a irmã ficasse com as crianças depois do colégio. Ia pegar os dois em flagrante.

Saí no meu horário habitual. Peguei a condução. Ao chegar no portão. Vi as luzes apagadas. Apenas um feixe de luz – meia luz – vinda do nosso quarto. Não acredito que ela esteja fazendo isso em nosso quarto. Em nossa cama. Em nosso lar. Percebo que nada mais é nosso.

Arrebentei a porta da frente. Invadi os corredores que me levavam até o quarto. O suor pingava no chão. O pulsar do meu coração batia tão forte quanto os meus passos. A porta do nosso quarto estava entreaberta, empurrei-a com muita força. Força da qual temia não ter ao olhar uma cena daquelas envolvendo a minha mulher; força da qual temia não ter ao enfrentar o vagabundo que surgiu para desgraçar a minha família. Desejaria mesmo era que a porta o atingisse em cheio, arrancando-lhe a cabeça. Uma morte, em nome da minha honra, pesaria menos que a humilhação de ser um corno.

Vi Darlene nua – de costas para mim – olhando-se no espelho. Busquei-o por todos os cantos do quarto. Não vi ninguém. Rabiei em baixo da cama. Nada! Absolutamente nada! Ninguém! “Cadê?” – perguntei inconformado. Quando ela se virou para mim. Havia hematomas espalhados por todo o corpo. Quem haveria de ter feito aquilo? Aos prantos, de joelhos sobre a cama, me disse que era câncer e por isso, sentia vergonha de si. Desde então, não desgrudei mais de Darlene. Como pude desconfiar do seu amor. Só guardo comigo a convicção de que, apesar de tudo, ela me traiu em nossa cumplicidade, por nunca ter me dito à verdade.

Conto escrito para o concurso Todos Nós da Geração Editorial

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