sábado, 3 de julho de 2010

Trecho: O mal de Montano (Enrique Vila-Matas)

Eu creio ver agora mesmo que quem é capaz de olhar dessa maneira não está demasiado aferrado à materialidade da vida e é um fantasma ambulante. Rosario Girondo, por exemplo – eu, não minha mãe -, é também um fantasma ambulante, passeia por estas páginas tramando aprender a saber ler os demais, tratando de estar fora de si e olhar, porque aspira a olhar algum dia como olhava Soares a ler como lia Pessoa, que nunca leu um livro entregando-se a ele – salvo se fosse de Soares -, porque sempre, a cada passo, a memória – como me ocorreu lendo Michaux – interrompia-lhe a sequencia narrativa: “Depois de alguns minutos, quem escrevia era eu, e o que estava escrito não estava em nenhuma parte”. Uma elegante forma de dizer que seu Eu fazia seu o que estava fora dele. É o que trata de imitar meu Eu faz um tempo. Janela não me fala.

O mal de Montano: Enrique Vila-Matas.

São Paulo: Cosac Naify, 2005.

Página 186.

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