sexta-feira, 2 de julho de 2010

Conto: O peso e a posição

Encontraram-na deitada no chão da sala. O perfume que saia dela dava para sentir do outro lado da rua; os moradores questionaram-se do tal cheiro, talvez viesse de alguma planta aromática, só que todas as plantas estavam mortas: as do quintal e uma samambaia seca no canto da sala.



Porém, ninguém imaginou que aquela fragrância agradável, mas perturbadora, e devido sua constante essência, e espalhada pela rua, e roubando toda a pureza do ar, viesse daquela velha. Era assim que ela era tida por todos, aliás, mal vista por todos no bairro. Ninguém soubera explicar a antipatia, tinham porque era assim que deveriam agir com ela, e assim agiam.



A senhora tinha uma banca de jornal na Praça da Árvore Deitada. Deitada porque seus galhos, velhos e fortes, eram tortos, beirando ao chão. A árvore solitária, estava sempre pronta para descansar do peso de todos os corpos que ali parassem para aproveitar de sua sombra no jogo de cartas, nas damas ou na hora de jogar um papo fora; haja ouvidos!



A árvore no final da tarde sombreava a banca de jornal BláBláBlá. Todos riam do nome e não deixavam por barato, ao dizer que a dona se tratava de uma fofoqueira. Ela dizia para quem quisesse ouvir que vendia informações – a de seus jornais – e nada mais “Não deixava de ser verdade.”. Outros comentavam que ela fazia mais que isso: “é uma mexeriqueira!”, dizia as mulheres, revoltadas com ela; haja ouvidos!



Ela se foi e a árvore permaneceu.



A ira do povo não parava por aí. Acusavam-na, também, de ser uma velha egoísta e rabugenta: "não era capaz de vender fiado aos amigos", dizia um. Só que ela não tinha amigos, não que os não quisessem, mas não os tinham, pois se os tivessem, venderia de bom grado.



Ninguém a entendia ou não queria entendê-la em sua solidão. Apenas julgavam-na como uma pessoa má: "nunca foi capaz de me dar um copo com água", comentava outro. Se pedisse ao invés de comprar, teria dado.



A casa e a banca ficaram fechadas por todo esse tempo. Ninguém apareceu para se apossar dos bens.



Para uns, morte estranha; para outros, alívio; para todos, estranheza ao sentir a presença dela por mais de um ano após o enterro.



Ela simplesmente partiu e deixou esse mistério no ar, porque não suportou o peso de todas as línguas que mal dela falaram.





Conto escrito para o concurso Gato Sabido (Ficções Editora).

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